Beleza

Na festa da Gazeta do Povo, última segunda-feira, conversei muito com o Ayrton Baptista, o nosso Tusquinha, do Boleiros e Barangas. Ele falou pra eu não esquecer da música, afinal o “mutante” do título deste blog em construção é também pra lembrar que há outras coisas no mundo que não são o futebol. Na mesma noite, vendo uns vídeos da internet, topei com “Desde que o Samba é Samba”, na versão dueto de Gilberto Gil e Caetano Veloso: “A tristeza é senhora / desde que o samba é samba é assim / a lágrima clara sobre a pele escura / à noite a chuva que cai lá fora”.

Aí pensei. Poderia pedir a ajuda dos amigos pra citar alguns dos versos mais bonitos da música popular brasileira – assim mesmo, em minúsculas, pra ampliar o leque e fugir de um possível hermetismo. Pelo twitter, usando a hashtag #versosbonitos. Eu citei os primeiros:

– “O meu amor sozinho / é assim como um jardim sem flor”. Tinha que começar com Vinícius de Moraes. É “Primavera”, composta com Carlos Lyra. Da vertente mais lírica da dupla, que também teve uma safra de canções de protesto. “Primavera” é mais delicada que “Minha Namorada”, mas ambas são belíssimas.

– “Eu sei quanta tristeza eu tive / mas mesmo assim se vive / morrendo aos poucos por amor”. Um dos trechos mais fortes de “Fera Ferida”, talvez a composição mais bem-acabada da consistente obra de Roberto e Erasmo Carlos. Um tema de separação que não esconde a mágoa do Robertão pelo fim do relacionamento com a ex-esposa Nice (apesar de estar no álbum de 1982, deve ter sido composta antes).

– “Vou te contar / os olhos já não podem ver / coisas que só um coração pode entender”. Bem, Tom Jobim não poderia ser mais brilhante como foi em “Wave”. Incrível como o Tom, que já era bom letrista na Bossa Nova, ainda foi mais espetacular ao fim do movimento.

Aí os amigos começaram:

– “Viver e nao ter a vergonha de ser feliz / cantar e cantar e cantar / a beleza de ser um eterno aprendiz”. Luiz Iubel lembrou de Gonzaguinha, em uma canção que começa com a sensacional frase “eu fico com a pureza da resposta das crianças”.

– Vinícius de Moraes voltou à tona com os queridos colegas Alethea Costa e Eduardo Luiz. A Alê mandou “pois há menos peixinhos a nadar no mar / do que os beijinhos que eu darei na sua boca”, de “Chega de Saudade”. E o Dudu atacou de “Eu sei e você sabe / ja que a vida quis assim /que nada nesse mundo / levará você de mim”, de “Eu não Existo sem Você”.

– Cassiano Silva também foi com Vinícius: “De repente do riso fez-se o pranto / Silencioso e branco como a bruma / E das bocas unidas fez-se a espuma”, do “Soneto de Separação”, que depois foi musicado por Tom Jobim.

– “Tire seu sorriso do caminho / que eu quero passar com a minha dor”. A clássica “A Flor e o Espinho”, letra de Guilherme de Brito e música de Alcides Caminha e Nelson Cavaquinho. Lembrança do Tusquinha.

– Gilmar Pallar atacou de “Tristeza”, de Haroldo Lobo e Niltinho: “Tristeza / por favor vá embora / minha alma que chora / está vendo meu fim”.

– A Elaine Felchacka mandou estes: “Como pode ser gostar de alguém / e esse alguém não ser seu”, de “Amado”, composição de Marcelo Jeneci.

– Nada de preconceitos. O Tusquinha também citou “Te venerar é minha sina” e “É de pedra a porta do seu coração”, do MC Andinho.

– “‘A vida é bela e cruel despida / Tão desprevenida e exata / que um dia acaba…”. “Ritual”, Cazuza, também do “arquivo” do Tusquinha.

– Aí o Luiz Augusto Xavier veio com Chico Buarque. Começou com “A felicidade morava tão vizinha / que, de tolo, até pensei que fosse minha”, de “Até Pensei”. Depois, “Como se na desordem do armário embutido / meu paletó enlaça o teu vestido / e o meu sapato inda pisa no teu”, de “Eu Te Amo”, que ainda tem “Se entornaste a nossa sorte pelo chão / se na bagunça do teu coração / meu sangue errou de veia e se perdeu”. E fechou com “Toda gente homenageia Januária na janela / até o mar faz maré cheia / pra chegar mais perto dela Januária”, de “Januária”. Tusquinha, solerte, lembrou de “A Mais Bonita”: “Não, solidão, hoje não / quero me retocar / nesse salão de tristeza onde as outras penteiam mágoas”.

– O Guido Cavalcanti foi mais longe: “Acreditem, é muito fácil julgar / a infelicidade alheia / quando a casa não é nossa / e é outro que paga a ceia”, de “Caminho Certo”, de Herivelto Martins e David Nasser.

– E o Leomar Garcia mandou quatro pra fechar a lista. Uma da Legião Urbana, “Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais / faríamos florestas do deserto e diamantes de pedaços de vidro”, de “Andrea Doria”. E as outras de Raul Seixas. A primeira, “E quão longa é a noite se comparada ao curto sonho da vida”, de “Nuit”. A segunda, “Cada um de nós é o resultado da união de duas mãos coladas numa mesma oração”, de “Coisas do Coração”. A terceira, “Se é dia sou dono do mundo e me sinto filho do Sol / se é noite eu me rendo às estrelas em busca de um farol”, de “Segredo da Luz.

Muitas ainda ficaram pelo caminho, poderíamos ficar ainda mais tempo aqui. Quem sabe seja apenas o começou desta emocionante remissão. Afinal, não estamos apenas relatando versos bonitos, estamos contando as nossas vidas através da música.

Sobre futebolmutante

Jornalista. Em busca de um espaço pra falar de futebol (novo e velho), música (velha), TV e outros temas relevantes. É pra ser um espaço de leveza, apesar do tamanho do blogueiro. A sério, o papo é na 98FM.
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3 respostas para Beleza

  1. “Incrível como o Tom, que já era bom letrista na Bossa Nova, ainda foi mais espetacular ao fim do movimento”. Concordo plenamente, Cristian! O melhor letrista das melodias do Tom Jobim foi o Tom Jobim, vide também ‘Passarim’ e ‘Borzeguim’. Curiosidade: o Alcides Caminha era o verdadeiro nome do famoso Carlos Zefiro, dos ‘catecismos’ eróticos.

    Excelente ideia a deste tópico! Que venham outros ‘ófe-bola’ !!!!

  2. Eduardo Luiz disse:

    Ótima iniciativa. Num mundo tão carrancudo como o de hj, falar de coisas bonitas e de amor é a melhor saída.

  3. Cassiano Silva disse:

    Parabéns pela iniciativa Cristian. É muito bom resgatar a boa música brasileira, coisa rara de se ver nos dias de hoje.

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